twitter  youtube  facebook

Notícias

28/08/2015 - Notícias
Indústria em apuros: especialistas examinam o setor produtivo e dão diagnóstico
por CORREIO DA BAHIA

A indústria brasileira padece com os efeitos da alta do dólar e infraestrutura precária, entre outros.

 

Nos últimos cinco anos, a indústria brasileira perdeu mais de 14% de participação no Produto Interno Bruto (PIB), que representa a soma de todas as riquezas produzidas no país. Os números mais atuais são relativos a 2014, segundo dados informados pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais – SEI, e dão um diagnóstico prévio da saúde debilitada da indústria brasileira. Mas este não é o único sintoma. Os efeitos da recessão econômica em 2015 podem agravar ainda mais a enfermidade.

O mal
A recente alta do dólar, que poderia estimular as exportações, esbarra em problemas de produtividade e baixa competitividade da indústria. A modernização dos parques fabris e processos industriais resolveria parte destes problemas, mas o dólar em ascensão não favorece o financiamento à inovação. Além do câmbio, esta solução depende de outro aspecto da conjuntura econômica brasileira que interfere no custo do capital. Para aumentar a arrecadação, o governo reajustou a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) do BNDES, o que dificulta os investimentos em modernização.

O tratamento
Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia – Fieb, Ricardo Alban, o momento de crise sugere oportunidade de mudanças para a retomada do crescimento. “Precisamos convergir para uma decisiva reforma estrutural, no sentido de termos um planejamento de longo prazo. Será necessário enfrentar o desafio das reformas administrativa, previdenciária, trabalhista e política, dentre outras”, afirma.

A cura
A economista da Confederação Nacional das Indústrias – CNI Flávia Ferraz destaca que o grande desafio da indústria brasileira é focar em problemas estruturais que impactam na produtividade e competitividade. “Estamos passando por um momento conjuntural difícil. A solução é pensar em medidas para a saída da crise, mas que permitam ao país um crescimento sustentável”, diz.

O CORREIO dá início hoje a uma série de reportagens que vai mostrar um diagnóstico da atividade industrial brasileira, suas principais mazelas, que impedem seu crescimento, e o remédio apontado por especialistas para mudar os rumos do setor em curto, médio e longo prazos. Nesta primeira reportagem, conheça os desafios.

Dólar alto favorece exportações, mas inibe investimentos
Segundo informações do Banco Central, o dólar já variou mais de 32% em 2015. Durante todo o ano de 2013, a moeda americana variou 14,6% e em 2014, o índice foi de 13,3%. De acordo com o assessor técnico da Superintendência de Desenvolvimento Industrial da Fieb, Mauricio West Pedrão, a variação do câmbio tem múltiplos impactos na economia. “Se, por um lado,  prejudica empresas com dívida em moeda estrangeira, por outro, as empresas exportadoras ganham competitividade. É o caso da indústria de celulosa da Bahia, que foi favorecida pelo aumento do dólar e desvalorização do real, aumentando sua rentabilidade”, exemplifica.

Já para empresas que importam insumos e máquinas, o aumento do dólar é negativo, pois torna esses produtos mais caros. É o que explica a economista da Confederação Nacional da Indústria – CNI Flávia Ferraz. “O dólar atingiu um patamar de valorização significativo e isso afeta a indústria brasileira,  aumentando os custos dos produtos importados que as fábricas utilizam”, destaca.

Com o dólar em alta, equipamentos eletrônicos e bens duráveis também ficam mais caros, prejudicando o mercado interno. O câmbio em ascensão tem influência ainda no preço das commodities (produtos de origem primária), que começam a subir,  e outros itens como combustíveis e alimentos também sobem, impactando diretamente na inflação.

“O dólar interfere na modernização do parque industrial. Importar tecnologia fica mais caro, o que faz com que a gente fique pra trás na corrida para a inovação. O bom é a previsibilidade, os agentes econômicos gostam de prever tudo”, afirma Pedrão.

Brasil perde competitividade por questões logísticas
Os investimentos em infraestrutura melhoram as condições de transportes, de comunicação e de fornecimento de energia, essenciais para atrair novas indústrias e possibilitar o escoamento da produção já existente. No Brasil, entretanto, esse continua sendo um dos maiores desafios para o crescimento do setor industrial.

Para o presidente da Fieb, Ricardo Alban, a infraestrutura deficiente interfere na “perda expressiva de competitividade industrial frente à concorrência internacional”.
De acordo com o Plano de Transporte e Logística da Confederação Nacional do Transporte – CNT, estima-se que em 2008 os custos de transporte no Brasil corresponderam a 59,8% dos custos logísticos totais (11,6% do PIB). Em comparação, nos Estados Unidos, os custos logísticos totais corresponderam a 8,7%.

Em um ranking do Fórum Econômico Mundial que comparou 144 países, a qualidade da infraestrutura geral no Brasil aparece em 76º lugar, a qualidade das estradas em 122º lugar, a da infraestrutura ferroviária em 95º e a dos portos em 122º lugar.

Ainda quanto à infraestrutura, a competitividade do Brasil está abaixo da média dos países com nível de desenvolvimento semelhante. A qualidade da infraestrutura brasileira ficou em 13º lugar no ranking de competitividade dentro da América Latina.

Taxa de juros alta eleva custos e adia projetos de inovação
A maioria dos desafios da indústria brasileira está encadeada e isso acontece também com as fontes de financiamento necessárias para a modernização que interfere na produtividade e, por sua vez, na competitividade.

A Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que se manteve praticamente estável em 5%, entre 2012 e 2014, foi reajustada no início de 2015 pelo governo com o objetivo de aumentar a arrecadação. Atualmente em 6,5%, a TJLP impacta diretamente o financiamento para a indústria. É o que explica a economista da CNI Flávia Ferraz. “O aumento da taxa de juros eleva o custo de financiamento para as indústrias. E quando ele é muito alto inviabiliza alguns projetos. Muitas empresas acabam postergando e até cancelando estes projetos devido à alta taxa de juros”, reforça a economista.

Além disso, segundo Flávia Ferraz, a desconfiança em relação à economia alimentada pelas crises econômica e política faz com que os bancos fiquem mais rigorosos na hora de conceder empréstimos.

De acordo com o assessor técnico da Fieb, Mauricio Pedrão, a taxa Selic, também elevada pelo governo e com índice atual de 14,25%, serve como referência para a TJLP. “Isso tudo interfere no custo do capital que impacta diretamente na retomada do crescimento pelo sistema tradicional de financiamento da indústria”, conclui Pedrão.

Baixa qualificação e custo do trabalho afetam produção
A produtividade é o resultado de todos os fatores envolvidos no processo de produção – pessoas, máquinas, materiais, entre outros. Quanto maior for a relação entre a quantidade produzida por fatores utilizados maior é a produtividade.

A economista da CNI Flávia Ferraz  explica que a variação média anual da produtividade no Brasil foi de 0,6% - valor muito abaixo de outros países como Coreia do Sul (6,7%), Taiwan (6,2%), Singapura (4,4%) e Estados Unidos (4,4%). “O cálculo da produtividade mostra que ela ficou praticamente estagnada durante quase uma década”, afirma, indicando ainda que “é essencial melhorar a qualidade do ensino no Brasil”.

Para o diretor do Centro de Estudos do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), Carlos Rocca, o custo do trabalho é outro fator que interfere na produtividade. Um estudo do órgão mostra a queda do lucro líquido da indústria entre 2010 e 2014. “Nesse período, a combinação de valorização cambial - reduzindo o preço dos produtos importados  - com a elevação do custo unitário do trabalho (salários reais crescendo acima da produtividade) comprimiu a margem das empresas e influiu nos investimentos”.

Setor no Brasil encolhe devido a pressão externa
O economista Roberto Giannetti da Fonseca explica que “industrialização é o processo evolutivo de uma economia que consegue, ao longo do tempo, produzir localmente as manufaturas que são demandadas por sua população, tais como roupas, calçados, alimentos, etc”.

Para a economista da Confederação Nacional das Indústrias – CNI Flávia Ferraz, o nível de desenvolvimento industrial é utilizado, inclusive, para dizer se um país é mais ou menos desenvolvido. “A indústria é importante como um todo, gerando investimentos em tecnologias de inovação e em fatores que apontam a competitividade de um país em relação aos outros”, destaca ela, que acrescenta que isso acontece porque a indústria gera empregos e movimenta outros setores, como o comércio e o setor de serviços.

De acordo com Roberto Giannetti, o Brasil vive atualmente um processo de desindustrialização. “O Brasil, infelizmente, como economia ainda subdesenvolvida, está vivenciando um processo de desindustrialização precoce. A desindustrialização é o fenômeno de substituição de produção local por produtos importados, o que resulta no aumento do coeficiente de importação de uma determinada economia”, detalha.

Segundo a Fiesp, o coeficiente de importação da indústria brasileira subiu de 16,9% no 2º trimestre de 2009 para mais de 27,5% no segundo semestre de 2015. “Isso representa um aumento de quase 80% em apenas seis anos, com várias cadeias produtivas rompidas”, analisa Giannetti, que aponta a solução. “Há anos temos debatido sobre a urgência de reformas tributária, trabalhista, tarifária, além de planos de investimento em logística e infraestrutura, como também planos de promoção das exportações, e por aí afora. Mas a verdade é que muito pouco tem sido feito e o Brasil está ficando atrasado em relação a seus concorrentes”, conclui.